A recuperação judicial tem sido uma ferramenta vital para que empresas em dificuldade financeira possam se reerguer e evitar a falência. No entanto, um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas durante esse processo é a carga tributária, que muitas vezes se torna um entrave no caminho para a recuperação. A tributação, sendo um dos principais motivos para a quebra de muitos negócios, exige uma abordagem cuidadosa por parte das empresas que optam pela recuperação judicial.
O Papel da Tributação na Recuperação Judicial
O sistema tributário brasileiro é notoriamente complexo e, para as empresas em recuperação judicial, essa complexidade se torna um desafio ainda maior. A Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) trouxe mudanças significativas, mas também criou controvérsias em relação à tributação, especialmente no que tange à regularidade fiscal e à suspensão de execuções fiscais.
Uma das grandes críticas feitas à legislação é a exigência de regularidade fiscal para que a empresa possa ingressar no processo de recuperação judicial. Para empresas que já estão em situação crítica, essa demanda pode ser quase impossível de atender, o que gera um paradoxo: o empresário precisa estar em dia com suas obrigações fiscais para tentar se recuperar, mas é justamente a falta de recursos que o levou à recuperação judicial.
Vitórias Judiciais para Contribuintes em Recuperação Judicial
Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem atuado para corrigir essas incoerências, favorecendo as empresas ao decidir que a exigência de regularidade fiscal pode agravar ainda mais a situação. O STJ reconhece que, ao impedir a recuperação judicial de uma empresa com problemas fiscais, o Fisco dificulta a própria recuperação de seus créditos. Isso se dá porque, em casos de falência, os créditos tributários têm menor prioridade de pagamento.
A decisão é um avanço significativo, pois permite que empresas em dificuldades tenham a oportunidade de se recuperar sem a necessidade imediata de resolver seus passivos fiscais, que podem ser tratados em outro momento, respeitando o plano de recuperação judicial.
Benefícios Fiscais na Recuperação Judicial
Com o objetivo de facilitar o processo de recuperação das empresas, a Lei 14.112/20 trouxe alguns benefícios fiscais, como a possibilidade de parcelamento das dívidas tributárias em até 120 meses. Outro ponto importante é a possibilidade de usar créditos decorrentes de prejuízos fiscais e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para quitar até 30% da dívida.
Além disso, a Receita Federal, através da Solução de Consulta Cosit nº 104/2024, trouxe uma novidade muito aguardada: o uso de prejuízos fiscais para quitar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) incidente nas renegociações de dívidas, sem a limitação de 30% que antes restringia essa compensação. Isso representa uma excelente notícia para empresas em recuperação, pois permite que elas utilizem integralmente seus créditos para reduzir o peso da tributação.
Os Desafios que Persistem
Apesar dessas melhorias, o caminho para a recuperação plena das empresas ainda é longo. A elevada carga tributária no Brasil, associada à complexidade da legislação fiscal, continua sendo um grande obstáculo para muitas empresas. Além disso, a falta de clareza em relação à tributação de eventos como a extinção de dívidas gera insegurança jurídica e pode desestimular empresas a recorrer ao mecanismo da recuperação judicial.
Outro desafio significativo é a demora do Fisco em homologar acordos de parcelamento e suspender execuções fiscais, o que compromete a viabilidade do plano de recuperação. A burocracia e a inércia do sistema tributário frequentemente agravam a situação financeira das empresas, tornando o processo de recuperação mais difícil do que deveria ser.
Caminhos para uma Recuperação Sustentável
Para que a recuperação judicial cumpra seu propósito de salvar empresas em dificuldade, é fundamental que haja um alinhamento entre o poder legislativo, o Fisco e os contribuintes. Medidas que promovam uma maior flexibilidade na renegociação de dívidas fiscais, a simplificação da legislação tributária e a melhoria na comunicação entre as empresas e o Fisco são essenciais para garantir que a recuperação judicial seja um caminho viável.
Além disso, é preciso criar condições mais favoráveis para que as empresas possam cumprir tanto com suas obrigações fiscais quanto com o plano de recuperação. A tributação deve ser um instrumento de apoio, e não uma barreira, para que as empresas possam se reestruturar e continuar operando, gerando empregos e cumprindo sua função social.
Embora a recuperação judicial tenha trazido avanços significativos para a reestruturação de empresas em crise, a tributação continua sendo um dos maiores desafios para o sucesso desse processo. É preciso que o Fisco e os legisladores compreendam que, sem condições adequadas para que as empresas negociem suas dívidas tributárias, a recuperação judicial pode se transformar em um caminho para a falência.
Com a implementação de políticas que facilitem o cumprimento das obrigações tributárias e um diálogo mais eficiente entre o Fisco e as empresas, será possível alcançar um equilíbrio que permita a recuperação financeira das empresas sem sufocar seu fluxo de caixa. Esse é o caminho para que a recuperação judicial cumpra seu papel e continue sendo uma ferramenta eficaz para a manutenção da atividade empresarial no Brasil.
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